Como publicar “O SEU” livro de receitas
Como editor especializado em gastronomia, acumulei nestes anos todos uma razoável experiência. O objetivo deste artigo é compartilhá-la, portanto entendam que não se trata de uma “publicidade editorial”. São apenas conselhos. Claro é que, como profissional, estarei sempre disposto a oferecer meu trabalho – é meu ofício editar e adoro isso. Mas escrevo aqui em resposta a inúmeras pessoas que me consultam diariamente, via web, sobre como fazer um livro de culinária. Aliás, esse é um bom começo de conversa: estamos falando de livros de gastronomia ou de culinária?
Na verdade é exatamente a mesma coisa, porém existe uma fronteira sinuosa: a gastronomia é um tanto mais abrangente, no entendimento atual, e ligada a uma percepção de “profissional” de profundidade temática, seja no fazer, seja no teórico; assim, sobraria para a culinária o aspecto utilitário, algo do amante da cozinha, por isso “amador”, o que ama algo. A palavra profissional está ligada ao radical grego “prof”, que não por acaso forma em português três palavras: profeta, professor e profissional; ou seja, a palavra grega quer dizer “aquele que sabe o que vai acontecer”. Então, para os profissionais vale mais gastronomia, e para os que têm a receita da vovó, da família ou sua própria e querem compartilhar com as pessoas “não profissionais”, seria melhor criar um livro de culinária. Pura semântica.
Só para encerrar isso, antigamente existia a Associação dos Culinaristas, em geral professoras de culinária e boleiras. Hoje as boleiras chamam-se “cake designers”, e os professores estão nas faculdades, ainda que muitas aulas “livres” sempre aconteçam com sucesso. Eu afirmo: gostaria de ser apenas “cozinhólogo”.
Não é impossível: as suas receitas caseiras podem virar um belo livro!
Mas, vamos ao que interessa: quer editar seu livro? O primeiro passo é saber o que quer fazer e para quem. Depois disso, é só formatar a partir de um orçamento e ver como se financia a operação de produzir e distribuir.
O que é seu livro? Qual o conceito dele? Qual a proposta? A qual necessidade ele supre?
Seu livro pode ser de memórias, de descobertas, de portfólio, de pesquisas, de referências ou reportagem, ou até um manual ou uma simples coleção de receitas favoritas. Ótimo, vamos compartilhar isso, mas estruture bem o conjunto da obra, organize, tentando se colocar na posição de seu futuro leitor. E, então, reflita:
Para quem é o livro?
Tente deixar bem claro quem é o público principal – por exemplo: donas de casa. Certo. Mas de que faixa etária, mais ou menos? E onde elas estão? Na Bahia ou em São Paulo? No Brasil todo?
Ter em mente o
público alvo é fundamental. Já vi muita gente com ideias ótimas mas sem noção clara de quem poderia alcançar essas informações além de um pequeno círculo de amigos. Ainsa assim, isso podo ser uma opção! Hoje em dia é perfeitamente viável fazer livros “on demand”, de baixa tiragem, com apenas 100, 200 exemplares.
Exemplo de livro de receitas caseiras. Como você gostaria que fosse o seu?
Como é composto seu livro? Você tem o texto pronto? Um rascunho?
Se você procurar um editor, independente de quem vai custear a obra, quanto mais definido o projeto, mais chances de sucesso ele tem. Assim, o primeiro passo é um texto em word, e não se preocupe com revisão, pois isso será feito pelo editor (preparação de texto), e em geral existe uma revisão técnica muito séria. É comum, acredite, chefs muito bons serem péssimos redatores de receitas, terem tudo na cabeça mas não conseguirem fazer com que as pessoas leiam e entendam. Isso é um trabalho para profissionais da edição.
Outra questão: você já tem as fotos das receitas? Se sim, ótimo. Mas cuidado! Às vezes aquelas fotos lindas feitas por um amigo (que nem cobrou nada) estão ótimas só para ver, mas não para publicar, devido à resolução, ao estilo etc. O ideal é ter as fotos apenas depois de definido o formato, as características técnicas do livro. A imagem deve se moldar ao projeto, caso contrário ele dependerá de uma ótima produção fotográfica, que, sobretudo, esteja em formato possível de harmonizar bem com a diagramação.
Ok! E quanto isso tudo vai custar?
Opa! Chegamos à pergunta chave. Até aqui, tudo muito bom, muito fácil, mas não podemos nos esquecer dos custos. Em primeiro lugar, saiba que o custo inicial de um livro divide-se em duas partes:
matriz e
tiragem – digo custo inicial pois depois poderá haver ainda distribuição e promoção. O preço final (unitário) depende do custo da matriz dividido pela tiragem e somado ao custo da gráfica (dividido pela mesma tiragem).
O custo de editar um livro pode variar muito, dependendo de diversos aspectos
Vejamos primeiramente sobre a Matriz. Para se chegar ao arquivo eletrônico finalizado, você tem os seguintes tópicos de custos:
Direitos autorais: ou seja, se você for o autor tem que receber pela “cessão” desses direitos a uma editora. Resta saber se o editor vai apostar ou não no seu projeto. O que em geral ocorre é um numero muito maior de autores que de editores (e patrocinadores) dispostos a correr riscos. Assim, sempre existe a possibilidade de você não receber pelos direitos ou receber em livros editados ou ainda, além de não receber pelos direitos, ter de custear pessoalmente a obra, ao menos na primeira edição. Existem vários casos de livros de sucesso cuja primeira edição foi o autor quem pagou.
Projeto gráfico: vai depender muito do tipo de impressão e acabamento e da complexidade da obra. Em geral, o custo de um projeto gráfico (criação apenas) pode variar de R$ 2 mil a R$ 10 mil.
Preparação de texto/revisão: idem, variável, mas como ordem de grandeza pode custar de R$ 5 a R$ 15 por página.
Fotos: hoje em dia todo mundo virou fotógrafo – o fotoshop resolve tudo, né? Não! Procure um bom fotógrafo, pois se o texto e conceito são a estrutura óssea do livro, as fotos são a pele. Aí, nesse aspecto, meu caro leitor, o céu é o limite para preços, já vi variar de R$ 30 a R$ 3 mil por foto, mas o normal seria algo em torno de R$ 300 a R$ 500 por foto.
Diagramação: não confunda com o projeto gráfico, que é só a ideia (como a planta do arquiteto). A diagramação e o fechamento de arquivo são como o trabalho do engenheiro, bem mais técnico e trabalhoso. O custo varia de R$ 10 a R$ 30 por página, mas pode ser bem mais que isso.
Revisão final: fundamental para não sair com erros! Vai custar também entre R$ 5 e R$ 15.
Faltou algo? Sim! Faltou o coordenador editorial.
Coordenação editorial: esse é o profissional que faz a ponte entre o autor e os outros prestadores de serviços: fotógrafo, diagramador, produtor de cozinha se for o caso e outros. Ele é quem faz andar a obra. (Então editor é mestre de obra? Isso mesmo!) Além de tudo, o coordenador faz o registro legal do livro na Biblioteca Nacional (tira o numero de ISBN com o código de barras) e a ficha catalográfica (em geral na Câmara Brasileira do Livro). Viu como não dá para ficar sem ele? Essa pessoa pode ser só o coordenador editorial ou também exercer o papel de editor. A diferença é se o coordenador é o dono da editora. No exterior eles fazem distinção entre “publisher” ou publicador, a casa editorial (a “construtora”) responsável, em geral também financiadora do livro, e o “editor”, ou seja, a pessoa física que coordenou a obra (o mestre de obra).
Ter um profissional para definir o projeto gráfico é parte muito importante do processo, assim como boas fotos
Fez as contas? Já sabe quanto vai custar? Não? Pois é, nem eu! Imagine que todo mundo me liga me perguntando: “Mas mais ou menos quanto pode custar um livro?”. Em geral, eu respondo: “Quanto custa um carro?”. Então, tem carro para todo gosto e bolso, e livro é igual. Se você tem no mínimo uns R$ 10 mil a R$ 20 mil já pode pensar em ter um livro. Ei, veja bem: eu disse UM livro! Não uma tiragem... E mesmo assim teria que ser uma obra bem simples, impressa em gráfica digital etc.
Não te convenci? Quer mesmo saber quanto custa um livro?
Faça assim: vá a uma livraria e pegue um exemplar que seja o mais próximo de seu sonho. Veja quanto custa, divida por dois e multiplique por 3 mil. O resultado é o total do projeto. Explico: em uma livraria, os livros estão em geral com preços dobrados em relação ao custo do editor (pode ser bem mais, mas para facilitar façamos a 50% sobre o preço de capa), e a tiragem padrão no Brasil é cerca de 3 mil cópias. Assim, um hipotético livro de R$ 60 nas livrarias tem o custo de R$ 30 x 3.000 = R$ 90 mil, já computando neste custo a promoção (em geral custeada pelo editor) e o serviço de distribuição (que pode ter custo extra de 10%) . Se você for o autor desse livro, receberá entre 5% e 10 % de direitos autorais sobre o preço de capa, ou seja, se vender 3 mil cópias receberá entre R$ 9 mil e R$18 mil.
Quanto mais elaborado é o livro, claro, maior é o custo. Mas há outros caminhos...
Qual o caminho alternativo? A internet!
Ela populariza e reduz os custos da distribuição de conhecimento, porém, nos livro de gastronomia ou culinária, o “objeto tátil” é preponderante e difícil dizer que o livro impresso vai sumir. Eu, particularmente, acho que são linguagens distintas, que vão continuar convivendo. No entanto editar seu livro como e-book, pode, claro, ser uma solução (mas isso será assunto de outro artigo...).
Se também é mais a favor do impresso, o ideal para pequenos orçamentos é o livro impresso em gráfica digital, aquela que não trabalha em “offset”, ou seja onde não existem rolos impressores com chapas e sim impressão com jato de tinta. O preço pode ficar bem razoável, mas não compensa para grandes tiragens, por isso você ainda não os vê nas livrarias. Onde vendê-los então? Por exemplo, em pequenos lançamentos, pelas lojas virtuais, entre amigos, alunos, seguidores...
No momento, estou estudando “templates” básicos para que os próprios autores possam formatar seus livros, com custos mínimos. Acho que isso poderá ajudar muita gente boa a mostrar suas criações. Aguardem para breve...
Enfim, com este artigo, tentei ajudar um pouco quem quer ter seu livro, e fico feliz em ser um “publicador”, que faz as coisas desconhecidas se tornarem públicas ou um editor, que publica os “éditos”. E, se esse é meu ofício, compartilho com os amigos o que sei e posso fazer para trazer ao mundo real as criações, o que está ainda no campo do imaginário, do sonho, da vontade ou da necessidade. Assim é que me coloco, como mestre de obras, à disposição de quem quer fazer “obra”. Meu e-mail: andreboccato@gmail.com.
Um abraço,
André Boccato